Falemos de Eleições
Escrevo isto no dia 11 de março, um dia (apenas umas horas) após os resultados das eleições legislativas em território nacional, encontrando-me, no mínimo, perplexo sobre tudo o que aconteceu ontem.
Vejamos a extrapolação final – Aliança Democrática vence com 1810871 votos e 79 mandatos, seguida do Partido Socialista, com 1759937 votos e 77 mandatos. Em terceiro lugar observamos o CHEGA, com 1108764 votos e 48 mandatos.
Portanto, deixo-vos com um pequeno comentário político, porque felizmente ainda (ainda!) vivemos numa democracia com liberdade de expressão.
Comecemos pelo suposto vencedor da noite, a Aliança Democrática. Comparando com 2022, não se verificou nenhum crescimento deslumbrante, conseguindo apenas mais 3 mandatos. Desta forma, não conseguem atingir o seu grande objetivo de uma maioria, nem com o auxílio da Iniciativa Liberal. Logo, Luís Montenegro encontra-se com um grande problema em mãos: volta atrás na sua palavra e coliga-se com o CHEGA? Não me parece, até porque no seu comentário ontem disse que manteria a sua palavra. Eu, no entanto, só descanso quando se confirmar que isso não acontece, porque políticos a voltar atrás na sua palavra há muitos. Logo, resta-lhe tentar governar minoritariamente. Ora, há um Orçamento de Estado para aprovar em outubro que pode ser chumbado e, tendo em conta que iremos ter um governo minoritário, há uma elevada probabilidade de isso acontecer, quer seja pelo PS (talvez não, dado que deu a entender que viabilizaria um governo de AD), quer seja pelo CHEGA – este sim parece-me que se irá opor, por vingança. Assim, creio veementemente que, num futuro próximo, estaremos novamente em eleições. Há outra questão importante que me parece importante sublinhar: a direita democrática é crucial para um país, tal como a esquerda é. Tenho visto nas redes sociais uma tremenda diabolização da Aliança Democrática, e vejo isso como algo injusto. Ninguém se esquece do que aconteceu no governo de Passos Coelho, no entanto, acredito que ele teve que colher muitos dos frutos plantados por José Sócrates, obrigando-o a tomar decisões difíceis, que infelizmente afetaram muitas pessoas. Assim, considero importante ter uma direita democrática forte e coesa no parlamento de qualquer país, e chamar a tudo o que se encontra à direita do PS fascista causa mais problemas do que aqueles que resolve.
Avançando para o PS, esse sim, indubitavelmente o grande derrotado destas eleições. Perde 40 mandatos, cerca de quinhentos mil votos a menos. Efetivamente, o país manifestou-se contra esta maioria absoluta e todo o caos e confusão que anda à volta do PS nos últimos 4 anos. No entanto, sinto que devo congratular Pedro Nuno Santos, que soube ser um bom perdedor, preocupado com a democracia e assumindo bem o seu novo papel com o líder da oposição. Resta-lhe, agora, analisar o que correu mal (e não foi pouca coisa) neste último mandato e preparar-se para umas futuras eleições.
Viremo-nos, então, para o CHEGA, o grande vencedor. Quadruplica o número de mandatos, mais 725 mil votos. Enfim, um dia histórico para este partido. André Ventura teve uma ascensão absolutamente meteórica nos últimos 5 anos e foram 48 deputados eleitos. Tal como observado no resto da Europa, vemos uma extrema direita a crescer exponencialmente. Ora, Ventura já tratou de colocar Luís Montenegro entre a espada e a parede: reforçou muitas vezes a irresponsabilidade que seria se não assumisse um governo de maioria de direita com uma coligação entre ambos os partidos. Eu não sei quanto a vós, mas eu não me coligaria com um senhor que me chama de prostituta política, mas enfim, o que dizer disto? Talvez dizer que se isso acontecesse estaria a dar razão a Ventura. Pegando um pouco da intervenção de Pedro Nuno Santos, que achei muito pertinente - não existem 1 milhão de racistas, xenófobos e fascistas em Portugal. Existem pessoas revoltadas com o estado degradante a que atingiu o nosso país e foi esta a solução que encontraram. Se, da minha perspetiva, é uma alternativa muito populista, que poucas soluções oferece ao país, e que baseou toda uma campanha na crítica ao adversário e não propriamente em medidas que resolvem problemas crónicos do nosso país, como a saúde, habitação e educação? Sim. Mas foi o que o povo escolheu, o povo é quem decide, povo é quem mais ordena! Portanto, compete agora ao resto da assembleia lutar contra isso, fazer valer os valores de Abril e mostrar que existem outras e melhores opções. No entanto, sublinho um feito no mínimo curioso por parte deste partido: Beja, um bastião do partido comunista, é, pela primeira vez, de direita, e o CHEGA rouba à CDU (que perde novamente deputados, acabando com quatro) o seu deputado histórico naquela zona. Leva, pelo menos, a pensar.
No que toca à Iniciativa Liberal e Bloco de Esquerda, ficam com o mesmo número de mandatos, aumentando apenas em número de votos. Devo também referir outro vencedor destas legislativas, o LIVRE. Consegue passar de um para quatro deputados, e Rui Tavares mostra que a esquerda que dialoga, e que destroi mais muros do que aqueles que ergue, tem lugar na assembleia, e mostra-se como um forte opositor à extrema direita.
Por último, falemos de duas questões muito importantes de ontem. Uma taxa de abstenção historicamente baixa, contrapondo-se com uma altíssima em 2022. Por isso, devo dar os parabéns a todos os portugueses que foram votar, muito orgulhoso em ver tantos a exercer este direito e dever. Por outro lado,e sinto que é quase o lado oposto da moeda da baixa abstenção, 100 mil votos para o partido ADN, um partido negacionista da vacina do COVID-19 e da crise climática. Só para ter um ponto de comparação, em 2022, teve dez mil votos (10 vezes menos). Este aumento absolutamente abrupto tem fácil explicação. Um partido com uma imagem e nome semelhante à AD levou à confusão de vários votantes. Se isto demonstra que nem votar conscientemente e com atenção conseguimos? Sem dúvida. Acredito, também, que, se a AD se queria manifestar com a CNE, deveria tê-lo feito antes e não no próprio dia das eleições, onde já não havia nada a fazer. No entanto, o facto de o ADN não eleger ninguém acaba também por ser uma crítica ao nosso sistema de eleições. Estamos a falar de 100 mil votos para o lixo. 1,63% dos votos não serviram para absolutamente nada. Penso que estará na altura de rever o modelo eleitoral, quer seja para instaurar círculos de compensação, quer seja para ponderar outro modelo que não o método de Hondt.
Para concluir, foi uma noite no mínimo confusa, e talvez ainda não será desta que temos um governo estável. Preparemo-nos para os tempos que se avizinham.


por José Guilherme Silva
Associação de Estudantes do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar da Universidade do Porto
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