Já disse que estou velho?

Estou velho. Escrevo isto no final da semana de receção, ainda com os ouvidos a zumbir da Flower - uma semana traumatizante, se quiserem saber. Aos 20 anos, devia estar cheio de vida, mas a verdade é que já estou a caminho da reforma. Há colegas da minha idade que já estão a trabalhar, outros seguem para mestrados pelo país e pelo mundo… eu, por outro lado, já só preciso do passe sénior e de uma mantinha para as aulas das oito da manhã.

E foi exatamente na Flower que me apercebi. No primeiro ano, eu estava sempre no centro da pista, cheio de energia, a dançar até ao fim. Este ano, no quarto, descobri que tenho duas velocidades: abanar um ombro (de preferência, o esquerdo, que o direito dói-me) e sair para respirar. Já só gosto de estar na parte de fora, a comentar o barulho e o calor lá dentro. No fundo, já só me falta levar um banco de jardim - daqueles que abanam, para poder dormir um cochilinho, porque aguentar seis horas numa festa já não é para mim. E, para piorar, todos os caloiros parecem ter 12 anos - pelo menos a julgar pelo excesso de energia e pela maneira como conseguem dançar sem sequer suar (e pela forma como ainda estão a “aprender” a beber). Eu, por outro lado, fico na parte de fora, no meu banco de jardim imaginário… a sentir cada parte do meu corpo a protestar.

E depois há a ressaca. Antes, era uma coisa mítica, quase uma lenda urbana. Agora é um inquilino fixo. Aparece sempre que tento “reviver os velhos tempos”: o que é estranho, porque os meus “velhos tempos”, à partida, ainda não saíram da garantia. A relação que tenho com a ressaca é bastante parecida com o IRS. Achei que era uma coisa que só acontecia aos adultos, aos velhos… e agora é real. E, tal como o IRS, não percebo bem como funciona, só sei que me faz sentir mal (se calhar devia ter prestado mais atenção às aulas de hepato, talvez tivessem explicado lá). Não chegasse só isso, hoje em dia, uma noite de copos mais à séria põe-me no mínimo um dia inteiro de cama - para sequer pensar em beber, já é preciso marcar no calendário, dormir bem e hidratar-me. Essencialmente, tenho que montar uma estratégia de sobrevivência digna de missão militar.

E no meio disto tudo, começa a assombrar-me a PNA. Ainda faltam três anos, mas já falo dela como quem fala do apocalipse. Aos colegas que andam agora a estudar para a PNA: um forte abraço. E se entretanto precisarem de ajuda, conheço boas recomendações: uma clínica para quem já anda a cair de cansaço, uma estética para rugas precoces e até um psicólogo de confiança. Está tudo pensado. E, como se não bastasse, ainda há a tese a pairar: esse filho ingrato que ainda nem comecei e já me tira o sono.

E depois vem Medicina 1. Essa cadeira monstruosa que é basicamente a PNA em versão demo. Eu já tenho 800 páginas de manuais impressos em casa. Em papel. Encadernadas. Basicamente, assassinei uma pequena floresta só para me preparar para esta cadeira.

E não ajuda o facto de agora termos aulas no novo edifício do ICBAS, que, ironicamente, se chama… ICBAS Velho. Não é só porque o prédio é antigo, é porque funciona como uma espécie de lar académico: é lá que se concentram os do 4.º e 5.º ano. Uma autêntica ala geriátrica.

Conclusão: tenho 20 anos, estou no quarto ano, e já me queixo de ressacas, dores e da PNA. Estou velho. Os meus primeiros caloiros já estão no 3.º ano. Estou velho. E o próximo passo é começar a falar do preço do pão… Estou velho. Mas pronto: bem-vindos, caloirada! Aproveitem enquanto ainda têm articulações. Especialmente vocês, que alguns são irmãos de amigos meus - e pensar que na escola éramos “os crescidos” que vos ganhavam no interturmas. Agora… estou velho. E se já disse isso dez vezes, é capaz de ser demência ou Alzheimer a aparecer. É da idade. No final de contas, acho que estou a ficar velho.


por José Guilherme Silva