Ljubljana é bué cenas

Como diz o Bruno Nogueira “O mundo não é isto, o mundo é bué cenas”. E ele tinha toda a razão. Bastaram dois meses em Ljubljana para perceber que o mundo… o mundo é mesmo bué cenas. E muitas delas… não vêm com manual de instruções.

Tudo começou com uma mala demasiado cheia (sim, levei camisolas a contar com um Inverno do pós-apocalipse), uma ansiedade mal disfarçada, e a sensação constante de que estava a fazer as malas para algo que não sabia muito bem o que era. Ljubljana parecia um sítio simpático no Google Imagens — calmo, bonito, cheio de pontes — mas não fazia ideia de como se dizia “obrigado” em esloveno (o duolingo nem tem esse idioma…).

E é sobre isso que este texto fala. Sobre como Ljubljana, sem grandes promessas, se tornou o centro de um mundo novo — feito de cenas que não cabem em fotografias, mas ficam para sempre na memória.

Mas agora a sério…

Quando me candidatei ao programa Erasmus, sabia que queria uma experiência diferente — não apenas estudar fora, mas viver algo que me transformasse de dentro para fora. Queria estranhar-me um bocadinho. E estranhar o mundo também. Escolhi Ljubljana sem saber muito bem o que esperar.

Ljubljana apareceu-me quase como quem tropeça num segredo bem guardado. Pequena capital europeia, com um nome difícil de pronunciar à primeira e um charme que só se revela mesmo quando lá estamos. É impossível não sentir que se entrou numa cidade que respira leveza. As ruas de pedra, os edifícios com tons pastel, as pontes que parecem saídas de um livro antigo… tudo aqui tem um ritmo próprio. Um silêncio bonito. Uma calma que acolhe. Era uma cidade que quase parecia escondida no mapa, discreta, pequena, mas com algo de encantador. Agora, alguns meses depois, percebo que não podia ter escolhido melhor.

Ljubljana não é só bonita — é acolhedora. Há uma tranquilidade única em caminhar junto ao rio, ver os artistas de rua, ouvir música em cada esquina. A cidade tem uma escala humana que nos faz sentir em casa mesmo longe de casa. E, ao mesmo tempo, é um ponto de encontro de culturas, línguas e histórias diferentes.

Mas Ljubljana também é vibrante, especialmente quando vivida através dos olhos de um estudante de Erasmus. A cada esquina, há algo a acontecer — mercados de rua, concertos improvisados, cafés escondidos que se transformam em salas de conversa entre desconhecidos. É uma cidade pequena, sim, mas é nisso que está o seu encanto: dá-nos tempo. Tempo para estar. Para reparar. Para nos ligarmos às pessoas. Para não ter pressa.

Viver aqui tem-me ensinado a não querer tudo de uma vez. A andar mais devagar, mas sentir tudo com mais intensidade. E talvez seja isso que torna esta experiência tão transformadora.

Quando se vive Erasmus, os dias são longos e cheios, mas passam a correr. Há sempre algo novo para fazer, alguém novo para conhecer, um lugar novo para descobrir. As relações que se criam aqui são rápidas, intensas, muitas vezes improváveis. É como se todos estivéssemos a viver na mesma bolha temporária, conscientes de que isto tem data para acabar — e talvez por isso mesmo, damos tudo de nós.

Os dias aqui têm um brilho diferente. Mesmo quando não acontece nada de extraordinário, há sempre aquela sensação de que estamos a viver algo que não se vai repetir. Acordar numa cidade que agora é tua, mas ainda tem tanto por revelar. Ir para a faculdade e ouvir uma mistura deliciosa de sotaques diferentes, todos a tentar adaptar-se uns aos outros. É jantar com pessoas de cinco nacionalidades diferentes e acabar a noite a dançar uma música sérvia que ninguém sabe bem como foi parar à playlist. É tentar pedir um burek com confiança e acabar por apontar para a vitrine, sempre. É rir de coisas simples, falar em três línguas ao mesmo tempo e sentir que estás a viver o tipo de caos que dá gosto viver.

Uma das grandes tradições não-oficiais do Erasmus é: não se pode passar um fim de semana em casa. É quase um crime. Aqui atravessa-se fronteiras como quem atravessa a rua. Portanto, todos os fins de semana, tenho viajado, como um ritual. Num dia estou a comer um boni grátis no zito (espero que um dia experienciem esta maravilha), no seguinte estou a perder-me nas ruas coloridas de Sarajevo ou a ver o pôr do sol junto ao Danúbio. Mochila às costas, bilhete comprado no dia anterior, grupo reunido meio que em cima da hora. Às vezes com amigos, outras com desconhecidos que se tornam cúmplices em bares de karaoke, em conversas sobre sonhos partilhados num inglês improvisado.

E a cada viagem, a cada hostel, a cada itinerário feito em cima do joelho, a cada noite mal dormida em beliches com ressonos pelo meio, aprendo mais sobre os outros — e sobre mim. A cada viagem, trago algo comigo. Não só fotografias ou postais, mas cheiros, sons, olhares, histórias. Uma cidade nova a cada fim de semana, mas sempre com Ljubljana a receber-me de volta, como se dissesse: "vai, mas volta — ainda tens muito para viver aqui".

Sim calma, também há aulas. Estágios. Trabalhos. Mas Erasmus é mais do que isso. É aprender fora da sala. É estar num bar a discutir política com alguém da Polónia. É ouvir músicas balcãs às 3 da manhã e dançar como se soubesses a letra. É cozinhar pratos típicos com colegas franceses e perceber que a comida tem um poder mágico de unir mundos. Conheces pessoas de todos os lados e crias amizades em tempo recorde — tipo "olá, como te chamas?", e no dia seguinte já estão a cozinhar massa juntos e a filosofar sobre a vida às três da manhã. É partilhar silêncios com alguém do outro lado da Europa e perceber que há entendimentos que não precisam de tradução.

E, inevitavelmente, Erasmus também é lidar com o vazio — com a saudade, com a ausência de quem costumava estar por perto. Com os dias em que te sentes pequena no meio de tanta novidade. Dias de saudade, de cansaço, de quereres dar um abraço à tua família e ela estar a 2000 km de distância. Mas até esses momentos são preciosos. Porque é aí que te descobres mais forte. E porque no dia seguinte, alguém do nada te convida para irem ver o pôr-do-sol ao castelo, e pronto — voltas a acreditar em tudo outra vez.

Isto faz parte. Porque é nesse espaço que cresces. Que te reinventas. Que aprendes a ser tua própria casa, mesmo longe de tudo o que antes era familiar.

Aprendi a viver com menos, a adaptar-me a outras culturas, a não ter medo de me perder. Aprendi a ouvir com atenção, mesmo quando não percebo tudo. A rir-me de mim mesma. A confiar mais. A despedir-me com leveza e agradecer com o coração cheio.

Ser Erasmus não é só estudar num país diferente. É um mergulho. É deixar para trás o que conhecíamos como rotina e abraçar uma nova realidade, com todas as suas surpresas e desafios. É perceber que somos muito mais capazes do que pensávamos. Que há beleza na diferença. Que, apesar de todas as distâncias, há algo de profundamente humano que nos liga — um sorriso, um olhar cúmplice, um "cheers" em qualquer língua.

Uma das maiores surpresas deste Erasmus tem sido perceber o quanto me é permitido simplesmente ser. Aqui, há uma liberdade difícil de explicar — como se cada dia fosse uma tela em branco e eu pudesse escolher as cores, as formas, e até se quero desenhar alguma coisa ou não.

Faço coisas que nunca pensei serem possíveis. Desde marcar uma viagem num impulso às três da manhã, até ficar uma manhã inteira sozinha apenas sentada a beira-rio a observar as pontes com dragões (que tanto me lembram casa), sem me sentir culpada por “não estar a fazer nada de produtivo”. Cozinho às horas mais absurdas, mudo planos à última da hora (como estar às terças no irish pub e às quartas no holidays, mesmo que diga que não vou, que não posso sair todos os dias), descubro cafés escondidos que acabam por se tornar os meus preferidos — e tudo isto sem pressa, sem comparações, sem regras.

Viver aqui tem sido, acima de tudo, aprender a confiar no meu ritmo. A perceber que não há um “certo” ou um “errado” para viver esta experiência. Há apenas o meu caminho, feito ao meu tempo.

Outra coisa que Ljubljana me tem ensinado é a permitir-me sentir tudo com a máxima intensidade. Sem filtros, sem medos, sem aquela vozinha interior que nos manda “ter cuidado para não nos magoarmos”. Aqui, deixei cair essas armaduras. E sabem que mais? É libertador.

Permito-me rir até doer a barriga com pessoas que conheci há dias. A chorar com saudades de casa sem achar que isso é fraqueza. A apaixonar-me — por lugares, por momentos, por toques, por palavras, por olhares fugazes numa noite qualquer. A estar vulnerável, presente, inteira.

Porque Erasmus não é só sobre estudar noutro país. É sobre viver. Viver de verdade. Sentir tudo. Não pela metade. E não com medo. Porque mesmo que algo acabe, mesmo que doa depois… valeu a pena ter acontecido. E essa coragem de sentir — essa sim, ninguém me tira.

Ljubljana é, para mim, mais do que uma cidade bonita: é o cenário onde estou a descobrir o melhor de mim, rodeada de pessoas de todo o mundo que, de alguma forma, vieram parar aqui ao mesmo tempo que eu.

Erasmus é isso. É estar no lugar certo, com as pessoas certas, mesmo que não tenha planeado nada. É viver com intensidade, com gratidão e com uma vontade imensa de não deixar nada por sentir.

E o mais bonito disto tudo é perceber que Ljubljana não vai ser apenas a cidade onde estive de Erasmus. Vai ser, para sempre, um lugar dentro de mim. Vão ser as flores em cada esquina. A música ao vivo na praça principal. Os bolos deliciosos do Cacao. A salada do Fresco. As corridas diárias ao Lidl. As bicicletas a cruzarem a cidade ao entardecer. O som do rio Ljubljanica a correr enquanto o sol se põe atrás do castelo. Os cafés cheios de riso. Os abraços nas despedidas dos domingos à noite, depois de mais uma viagem partilhada. A sensação de que, por alguns meses, tudo foi possível.

Não sei exatamente como vou contar isto tudo quando voltar. Como se explica uma experiência que nos muda sem que percebamos logo? Erasmus é feito de momentos pequenos que ganham um significado imenso. De olhares cúmplices, de noites mal dormidas por bons motivos, de silêncios confortáveis e de palavras que ficam mesmo depois da distância.

É sobre estar longe e, ao mesmo tempo, sentir-te mais perto de ti do que nunca.

E por mais que o tempo aqui vá passar, há uma certeza que me acompanha: esta cidade vai ficar. Nas histórias, nos mapas que guardei, nas músicas que ouvi, e no coração — bem guardada, como todos os bons segredos.

Ljubljana, faltam 2 meses para me ir embora e não sei como vou ser capaz…