(Micro)Plástico:

o inimigo silencioso

Inicio este artigo com um desafio: observem o ambiente à vossa volta e identifiquem quantos objetos incluem plástico. Se realizarem o mesmo exercício nas restantes divisões da casa, o impacto será ainda mais evidente - o plástico está omnipresente.

Desde o início da produção industrial de plástico, em 1950, que a nossa sociedade tem-se tornado cada vez mais dependente deste material. Afinal, é um produto versátil, leve e de baixo custo (1). Porém, o que nos esquecemos é que a maioria dos plásticos tem utilização única e que a taxa de reciclagem, em Portugal, ainda é muito baixa (30,5% de acordo com a Agência portuguesa do ambiente (2)).

A poluição constitui uma preocupação atual, sendo que a produção excessiva de plástico representa uma das mais significativas ameaças ambientais da contemporaneidade. Este material pode originar diversos tipos de resíduos, entre os quais os microplásticos, infiltrando-se de forma impercetível nos ecossistemas terrestres e marinhos, com potenciais consequências para o equilíbrio ambiental (anualmente, aproximadamente 8 milhões de toneladas métricas de plástico são despejadas nos oceanos) (3). É necessário (e urgente) entender a sua composição, formas físicas e como a fragmentação em microplásticos acontece para que possamos encontrar soluções o quanto antes. Afinal, a taxa de produção de plástico já supera a de emissões de carbono (1).

Referências:

(1) Hale, R. C., Seeley, M. E., La Guardia, M. J., Mai, L., & Zeng, E. Y. (2020). A global perspective on microplastics. Journal of Geophysical Research: Oceans, 125(1), e2018JC014719.

(2) APA (Agência Portuguesa do Ambiente)(2024). Dados sobre resíduos urbanos. https://apambiente.pt/residuos/dados-sobre-residuos-urbanos

(3) Smith, M., Love, D. C., Rochman, C. M., & Neff, R. A. (2018). Microplastics in seafood and the implications for human health. Current environmental health reports, 5, 375-386.

(4) Bhuyan, M. S. (2022). Effects of microplastics on fish and in human health. Frontiers in Environmental Science, 10, 827289.

(5) Miguel, I., Santos, A., Venâncio, C., & Oliveira, M. (2024). Knowledge, concerns and attitudes towards plastic pollution: An empirical study of public perceptions in Portugal. Science of The Total Environment, 906, 167784.5

(6) Prata, J. C., da Costa, J. P., Lopes, I., Duarte, A. C., & Rocha-Santos, T. (2020). Environmental status of (micro) plastics contamination in Portugal. Ecotoxicology and environmental safety, 200, 110753.

(7) Luís, S., Roseta-Palma, C., Matos, M., Lima, M. L., & Sousa, C. (2020). Psychosocial and economic impacts of a charge in lightweight plastic carrier bags in Portugal: Keep calm and carry on?. Resources, Conservation and Recycling, 161, 104962.

(8) Luís, I. P., & Spínola, H. (2010). The influence of a voluntary fee in the consumption of plastic bags on supermarkets from Madeira Island (Portugal). Journal of Environmental Planning and Management, 53(7), 883-889.


Os microplásticos podem ser primários, como as microesferas nos produtos de cuidados pessoais, ou secundárias, que resultam da degradação de objectos de plástico maiores. A nível mundial, mais de 800 espécies de animais foram documentadas como contaminadas por plásticos, incluindo os invertebrados e os peixes. Estas pequenas partículas podem persistir no corpo dos animais e transcender para o seu trato gastrointestinal, sistema circulatório e tecidos circundantes, causando stress oxidativo, citotoxicidade, neurotoxicidade ou, mesmo, disfunções no sistema imunitário, representando, assim, um risco real para a saúde humana. O impacto dos microplásticos vai muito além da sua presença física. Estudos científicos indicam que estas partículas podem conter substâncias químicas tóxicas (contaminantes orgânicos persistentes, como os metais pesados), afetando organismos vivos que os ingerem e, consequentemente, entrando na cadeia alimentar humana (3,4).

Mas, afinal, qual é a realidade em Portugal?

Num artigo sobre conhecimentos, preocupações e atitudes em relação à poluição por plásticos, realizado, em Portugal (em 2023) cerca de 62,1% dos participantes percebe que há um aumento do uso de plásticos, porém apenas 50,8% tem a preocupação de comprar produtos reutilizáveis, sendo que as mulheres e inquiridos com maior nível de escolaridade são os mais propensos a adotar práticas de reciclagem (5).

Em 2022, produzimos cerca de 5338 milhões de toneladas de resíduos urbanos, dos quais 58% foram para aterros (2).

As Estações de Tratamento de Águas Residuais (ETAR) conseguem reter entre 83% e 99% dos microplásticos; contudo, estima-se que cerca de 4,1 triliões destas partículas sejam libertadas anualmente. A maior concentração verifica-se nas praias portuguesas das regiões Centro e Norte, atingindo, aproximadamente, 185,1 itens por metro quadrado, predominantemente sob a forma de pequenos fragmentos, produtos de consumo e equipamento de pesca.

Além disso, regista-se uma média adicional de 2,98 itens por quilómetro quadrado a flutuar ao longo da costa atlântica portuguesa. Importa salientar que os impactos da poluição por microplásticos não se restringem ao ambiente marinho, uma vez que os rios Douro e Antuã também apresentam níveis elevados de contaminação por estas partículas (6).

Quanto aos nossos ecossistemas, estudos demonstram que a maior parte das tartarugas cabeçudas nos Açores ingeriram plásticos ao longo da sua vida; os mexilhões, no estuário do Tejo, ingerem microplásticos, e apresentam concentrações de 0,34 microplásticos/g do seu peso e 19,8% dos peixes capturados ao longo da nossa costa contêm microplásticos nos seus sistemas digestivos (6).

Em 2015, foi introduzida em Portugal a cobrança sobre sacos plásticos leves, medida que levou à redução do uso de sacos plásticos descartáveis e incentivou a separação de resíduos, refletindo uma crescente preocupação com os impactos ambientais. Contudo, paralelamente, verificou-se um aumento no consumo de sacos mais espessos, bem como de sacos do lixo, o que levanta questões sobre a eficácia desta iniciativa enquanto estratégia de mitigação ambiental (7). Será suficiente?

Embora os plásticos representem apenas 10% dos resíduos sólidos urbanos, o seu impacto ambiental é significativo devido à sua origem derivada do petróleo e não biodegradabilidade. Podem ser materiais valiosos e úteis, mas a sua má gestão e uso indevido resultam num aumento da poluição e microplásticos em ambientes aquáticos (8).

Empresas como o IKEA e a Adidas aderiram a políticas de responsabilidade estendida do produtor, que responsabiliza os fabricantes pela fase pós-consumo das embalagens plásticas (3). Será este o caminho para uma mudança efetiva?

É essencial desenvolver campanhas de sensibilização ajustadas aos diferentes grupos demográficos, com o objetivo de reduzir o consumo de produtos descartáveis e otimizar a gestão de resíduos, sobretudo por parte das próprias empresas responsáveis pela sua produção.

Além disso, a diminuição da libertação de águas residuais não tratadas e a proibição das microesferas em cosméticos representam medidas fundamentais para mitigar a contaminação ambiental. Paralelamente, iniciativas como “Pesca por um Mar sem Lixo” desempenham um papel crucial ao incentivar a recuperação de detritos marinhos pela comunidade pesqueira, que exerce um impacto significativo sobre os ecossistemas aquáticos (5).

Acima de tudo, é fundamental reconhecer este problema como uma realidade urgente e adotar as medidas necessárias para a sua mitigação. Cada indivíduo pode contribuir significativamente através de pequenas ações quotidianas, como recolher resíduos nas praias em vez de os deixar para trás, levar sacos reutilizáveis ao fazer compras e garantir a correta separação e reciclagem dos resíduos.